O futuro da governança pública no país está nas mãos do Congresso — e esta é uma oportunidade que não existia há mais de vinte anos

Por Guilherme Coelho

Publicado em 21 de outubro de 2020 no jornal O Globo

Semana passada a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa apresentou ao presidente da Câmara uma proposta de agenda legislativa. São projetos de lei e sugestões de emendas ao texto recentemente enviado pelo Executivo Federal para o que tem se chamado — por falta de um nome melhor — de reforma administrativa.

Sim, o líder do Executivo Federal não tem histórico, interesse ou capital simbólico para argumentar por um Estado melhor. Mas o futuro da governança pública no Brasil está nas mãos do Congresso — e esta é uma oportunidade que não existia há mais de vinte anos.

O interesse público é para uma verdadeira transformação do Estado, com boa- fé e com o entendimento que governos importam, reconhecendo as pessoas excelentes que neles trabalham, motivando-as e ressignificando o setor público brasileiro para toda a sociedade.

Onde há vergonha de se trabalhar para governos, onde há a vilanização de profissionais públicos, deve-se criar uma cultura de reconhecimento e uma expectativa de excelência. Os melhores países para se viver têm governos respeitados, responsivos e responsáveis. Isto não é consequência. É condição.

Semana passada foi apenas o começo de uma conversa pública, que levará ao menos seis meses e que deve obedecer ao devido processo legislativo: audiências públicas e participação de parlamentares, de entidades de classe e da sociedade, debatendo diagnósticos e metas objetivas e factíveis — no intuito de melhorar o país, ao aprimorar os serviços públicos.

Devemos aproveitar o verão da quarentena para nos aprofundar nesta discussão, inspirando-nos em países como Austrália e Portugal, e trazendo o PNUD (Agência de Desenvolvimento da ONU) e a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para este debate. Alguns atores já estão em campo.

Uma recente coalizão de instituições e especialistas, chamada Movimento Pessoas à Frente, tem articulado e documentado riquíssimas discussões sobre, por exemplo, integridade pública e segurança jurídica para funcionários públicos. Sem esta garantia, cria-se aversão ao risco de inovar e melhorar os serviços.

O Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) tem uma importante rede de colaboradoras que podem propor sobre sistemas de carreiras, de vínculos, e avaliação de desempenho. Recentemente, este grupo produziu uma série de cadernos, prestando contribuições fundamentais para a discussão.

A Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental) poderia trabalhar por um melhor alinhamento entre planejamento estratégico para os órgãos públicos e melhores práticas de gestão de pessoas em governos, algo que ainda não está colocado.

Pelo lado da forma, juristas advogam por uma simplificação da administração pública brasileira, desconstitucionalizando alguns temas. Eles têm razão, embora seja essencial ter Leis Complementares que garantam melhores práticas de gestão de pessoas também para estados e municípios. Neles estão 88% dos profissionais públicos, responsáveis pela maioria dos serviços públicos prestados no país. E, injustamente, é neles que ocorre a maior falta de planejamento, de estímulo, e menor remuneração no setor governamental.

Por fim, o Judiciário e o Ministério Público devem se envolver, permitindo transformações em suas organizações, honrando suas profissões e gerando mais confiança entre os Poderes.

No Congresso, ainda neste ano, um primeiro gesto concreto deveria ser a votação na Câmara de dois projetos de lei. Um que limita o teto dos salários no setor público e outro, o PL 3443/2019, sobre governo digital. Ambos produziriam efeitos desde já e seriam belos cartões de visita, para um processo virtuoso e respeitado a seguir.

Não temos escolha, que não a evolução. Esse é o dever progressista. É possível transformar o Brasil num país mais equânime, livre e bacana. Por meio de uma transformação do Estado brasileiro em governos mais presentes e efetivos, com profissionais reconhecidos e excelentes.

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