Por Guilherme Coelho.

Publicado no jornal O Globo em 21 de Julho 2011.

Quem nunca questionou por que algumas pessoas pensam e agem de certa forma, geralmente em momentos de total oposição aos nossos pensamentos e certezas? A questão é que essa pergunta é sempre feita em relação ao outro, àquele que não é igual a nós.

Mas e quando a pergunta é direcionada para o próprio umbigo – Por que a gente é assim?

Há dois anos, junto com o escritor Arthur Dapieve e as equipes das produtoras Matizar e Novenove, vivo a aventura de pensar e produzir o projeto transmídia “Por que a gente é assim?”, uma tentativa tão ousada quanto exaustiva de mapear os comportamentos e os valores dos brasileiros hoje.

Nosso ponto de partida conceitual foi muita conversa com professores e pensadores brasileiros em atividade hoje. Entre a bibliografia estudada estava o revelador livro “A cabeça do brasileiro”, de Alberto Carlos Almeida. E para nos ajudar nessa navegação teórica, tantas vezes árida e abstrata, estabelecemos um conselho multidisciplinar com Regina Novaes, Jailson de Souza, Luciana Bezerra, Mozart Vitor Serra e Camila Pitanga.

Nossa proposta, a partir desse liquidificador de ideias, foi ter três frentes de comunicação: mídia digital, televisão e teatro de rua – todos desenvolvidos num processo de criação colaborativa. No site do projeto e no facebook, reunimos artigos e imagens de blogueiros e fotógrafos convidados a refletir sobre os temas Sexo, Autoridade, Fé, Preconceito, Consumo e Educação. Neste mês de julho está no ar no Canal Futura a série de quatro programas de TV onde reunimos debates, cenas de teatro de rua e curtas-metragens desenvolvidos em conjunto com diretores de todo o Brasil.

Fomos então para as ruas fazer estas perguntas de forma indireta – no lugar do proselitismo, a ideia foi instigar. Em cidades do Rio Grande do Sul, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará, os grupos de teatro Timbre de Galo, Bagaceira e Artetude estarão até o final do ano encenando peças que, mostrando cenas cotidianas, tentam provocar o público. Enfim, uma grande bagunça midiática para levarmos esta discussão para muitos lugares e de diferentes maneiras.

Por aqui, talvez o único valor cristalizado nos últimos 50 anos (com orgulho ou desprezo) seja o “jeitinho brasileiro”, a tal malandragem que resolve tudo – não sem conseqüências. No entanto, é evidente que este Brasil está mudando – e em alguns aspectos, vertiginosamente.Mas afinal, por que a gente é assim? Para onde queremos ir com este Brasil? Quais legados queremos deixar como sociedade? Em alguns países, como os Estados Unidos, esta discussão está mais articulada. É fácil reconhecer o individualismo, a meritocracia ou o republicanismo como valores que norteiam seu povo, e formam o espírito do país. Da mesma maneira, do outro lado do Atlântico, a França tem a exceção cultural, as diferenças e orgulhos regionais, a agricultura (e seu subsídio) e a gastronomia.

Nos últimos 18 anos, desde o seminal ajuste fiscal de 1993 no Governo Itamar Franco – primeira fase do Plano Real – o Brasil se institucionalizou, amadureceu suas políticas sociais, e mostrou que boa regulamentação é possível, além de absolutamente necessária. Hoje, a implantação das UPPs no Rio é uma parte evidente e concreta disso. Nestes últimos anos, temos ocupado novos territórios físicos, e conceituais.

Muito tem se falado – e o assunto é de extremo interesse e relevância – sobre a mudança demográfica que vivemos hoje com um novo paradigma: nos tornamos um país majoritariamente de classe média. Mas o que quer e como se comporta esta classe média? Com mais gente e mais consumo, como vamos solucionar os desafios de vivermos juntos nas grandes cidades? Daremos, de fato, importância à inclusão via educação pública, ou manteremos um regime de “reserva de mercado” ao deixarmos grande parte da população alijada de educação de qualidade? Continuaremos fingindo que as pessoas não são discriminadas por conta da sua classe social, da sua origem geográfica e da cor de sua pele?

Enfim, algumas perguntas que devemos nos fazer ao tentarmos trazer para o presente o país do futuro que acreditamos merecer. O que queremos de nós? Indagações urgentes, como um rock do Barão Vermelho.