Por Guilherme Coelho. Publicado na Revista do Globo, seção Colunista Convidado, em 20 de dezembro de 2015

Acossado por telas de todos os tamanhos, o fazer-cinema hoje impõe um debate – tão extenso quanto essencial – sobre formas de narrativa e experiência artística. Ecos de Umberto Eco e do “Narrador” de Walter Benjamin me fazem acreditar que o maior cinema hoje (para não falar “melhor”) parte de uma narrativa aberta – ao contrário de uma história fechada, com explicações definitivas.

Narrativas sugestivas, que se aproveitem dos recursos da sala de cinema e nos convidem a um alto grau de subjetivação, fazendo um filme que só fica “pronto” quando se completa no “outro” (o público). Como realizadores e plateia, devemos lutar por um cinema que se constrói na alteridade.

Um cinema que, em Belém, Varsóvia, Chicago ou São Paulo, encontre seu público reagindo de maneira singular; pessoas completando com seus imaginários as histórias de um filme. Essa é uma oportunidade para quem faz cinema artesanal (um conceito mais interessante que “autoral”) e deveria ser também uma opção para um cinema mais comercial.

Politicamente, as narrativas abertas são muito importantes. Das questões de gênero ao terrorismo religioso, o que está em foco hoje são as nossas diferenças individuais. Uma história que é compreendida de diferentes maneiras por diferentes pessoas revela, em si, nossas diferenças como indivíduos. E isto não podemos esquecer: que a nossa experiência humana é singular, irreproduzível e inestimável. Por isso devemos lutar por respeito, mas também por igualdade de oportunidade e maior equidade.

Se em política pública precisamos reenquadrar as discussões, não mais em termos de esquerda e direita (duas abstrações) mas sim em torno do conceito de efetividade, artisticamente é necessário nos mantermos atentos ao outro, completando e sendo completados pelas narrativas dos outros.

Não se trata mais de fazer filmes com finais abertos, mas sim filmes inteiros abertos. Filmes como livros, que nos chamem à imaginação. Filmes como instalação de arte, que nos permitam caminhar por dentro de seus sentidos – reintroduzindo assim a linguagem do corpo. Esse é um cinema a ser feito hoje.

Pois não há lugar melhor de que as artes para expandirmos a experiência humana e aumentarmos a nossa capacidade de interpretar o que nos cerca. Hoje vivemos um paroxismo. A nossa apreensão da realidade é muito mais inefável, confusa, múltipla, dispersa e contraditória do que cinco, ou cinquenta anos atrás.

Por isso, o mais excitante hoje não são narrativas sobre revelações (com suas verdades supremas), mas sim histórias que permitam ao espectador “escrever” nelas, incluindo sua própria experiência afetiva e despertando “o desejo de dizer um não-dito”, nas palavras da psicanalista Betty Fuks. Uma arte e um cinema que nos proponham percursos subjetivos, quiçá irreproduzíveis em língua, mas que reforcem nossas diferenças individuais e combatam os arbítrios – assim nos fazendo únicos, inteiros e talvez eternos.