Por Guilherme Coelho

Publicado em 26 de Junho de 2020 no O Globo.

Hoje, junho de 2020, é possível sustentar com alguma confiança lógica que não há racionalidade em apoiar o Presidente Bolsonaro. Suas atitudes e políticas se mostram contrárias aos interesses individuais, sociais e econômicos, se olharmos a partir de quase todas as perspectivas. 

Se você, como eu – e como quase 70% do eleitorado brasileiro – concorda com esta premissa, vale estudarmos a insistência, sem razão, em Bolsonaro. Como isto ilumina subjetividades de quem hoje defende o Presidente?

Onde exatamente está o rancor que parece ser estruturante em alguns apoiadores de Bolsonaro? Como este sentimento cria uma ligação irracional, sensual, com um homem desimportante que foi alçado a “mito” sem ter realizado qualquer grande feito? Que fantasmas sustentam estes laços e como emergiram tão rapidamente?

Qual a relação desta adesão (e sustentação) com o sentimento de paranoia – desfilado por Bolsonaro e também por alguns de seus apoiadores? 

A paranoia ao nível coletivo cria, para usar o termo cunhado por Hannah Arendt, um “inimigo objetivo” a quem deve-se atribuir o ódio. Esse inimigo, o “estrangeiro à massa”, segundo a psicanalista Betty Fuks, é o responsável por todos os males e deve simplesmente ser eliminado. No caso do bolsonarismo, o tal comunismo, os não hétero-normativos, mulheres donas de suas vidas e de seus corpos, os estrangeiros da vez. Estes são os alvos de seus apoiadores. Mas que mal foi feito a quem apoia estas investidas do presidente?

É muito importante não confundirmos Bolsonaro com Hitler aqui. Hitler vindicava. Ele se vestiu e deu resposta às humilhações e à fome da Primeira Guerra, e às reparações do Tratado de Versailles. Os fantasmas criados por Bolsonaro não se comparam. E nem têm conseguido se impor frente aos outros poderes e à opinião pública.

Aqui no nosso “extremo ocidente” – como o Brasil já foi caracterizado por um diplomata europeu – quanto desta paranóia brasileira é consequência histórica da Sociedade do Espetáculo (de Debord), que há quase três gerações nos obriga a ser vendedores de produtos e imagens de nós mesmos? Desembocando, compreensivelmente, nesta atual Sociedade da (falta de) Atenção e (do excesso) de Exibição. O que a consequente ansiedade de status (e solidão) nos explica sobre a paranóia entre os apoiadores de Bolsonaro?

Interessante incluir aqui a relação entre o Desejo do Outro (de Lacan) – quando inventamos que devemos responder a expectativas do Outro, sem nenhuma confirmação disso – e o desamparo, um sentimento fundamental na psicanálise para se pensar a política.

Líderes do perfil de Bolsonaro, como Trump e Orbán, só estão onde estão porque sustentam a promessa de retirar o povo de uma situação de desamparo. São “deuses” temporários, que fantasiam para nós uma perda, e provocam a angústia em que estão (e estamos) mergulhados.

Mas, de novo, o que perdemos nestes últimos anos?

Muitos perderam muito com a crise econômica desde o governo Dilma, mas interessa explorar como estes sentimentos se manifestaram em grupos remediados. Estes ainda são parte relevante entre os atuais apoiadores de Bolsonaro, e talvez ainda o vejam como figura redentora, restauradora e justiceira.

Como exatamente Bolsonaro os serve? De quem este grupo de apoiadores se vê credor? E o que este grupo nos diz sobre condições psíquicas da população brasileira hoje?

Olhando pro futuro, como a diminuição entre seus apoiadores reflete ou deslocará nossos sentimentos de frustração, rancor, desamparo, paranóia e Desejo do Outro. 

Em recente artigo analisando a última pesquisa do Datafolha, Alessandro Janoni e Mauro Paulinho, respectivamente diretor de pesquisas e diretor geral do Instituto, concluíram que “se dependesse apenas da satisfação de seus eleitores, Bolsonaro teria hoje algo próximo de 22% de ótimo ou bom. Com a aprovação dos que solicitaram a ajuda do governo mas não o elegeram, ele chega a quase 29%”.

Conclusão semelhante ao Ideia Big Data, segundo o qual apoiadores de Bolsonaro são hoje 27% dos eleitores. Destes, 5 pontos percentuais se referem a brasileiros que estão recebendo o apoio mensal de 600 reais — que é nada menos que 3,1 vezes a média do Bolsa Família. Sem esses eleitores, que podemos entender como “transacionais”, o presidente estaria com 22% de aprovação. 

Dada a situação de vale de sua aprovação, Bolsonaro não poderá descontinuar a política de transferências individuais emergenciais. Acreditava-se que isto poderia causar uma ruptura com Paulo Guedes. Mas o ministro sinalizou uma fusão entre este benefício e o Bolsa Família – talvez inaugurando o populismo fiscal de Bolsonaro. Seria um final irônico pro liberalismo truculento de Guedes.

Mas enfim, como pensar este grupo de apoiadores que ainda somam 22% do eleitorado? Um grupo consciente, privilegiado, e ao mesmo tempo sem razoabilidade. O que os persegue, intimamente? Em que se identificam com a paranóia do Presidente? Que neuroses os impedem de ser o que desejam ser? 

Em psicanálise, seria preciso conversar um-a-um. Vamos a isso. Talvez pelo Zoom.

https://oglobo.globo.com/opiniao/rancor-paranoia-no-bolsonarismo-24496930